13 abril 2005
PORTA
porta,
para onde abres?
o que trazes
por trás do teu perfume?
que vermelho te habita?
que chuvas lamberam
os pés de tuas tábuas?
que mãos amaciaram
tua dura maçaneta?
quem imaginou
tua ríspida simetria?
quem te olha
como auscultando?
quem te fotografa
como pedindo
que te abras?
que setas
te delimitam?
qual verde
te escala?
porta,
és como uma boca:
fala!
Sidnei Schneider
do livro Quichiligangues
DE COMO LIDAR COM RIO
Represar um rio é impossível.
O rio insulta a barragem.
Se sustém uma folha calma de lago,
amplia suas pernas de Heráclito.
Veloz, recortará efígies das escarpas
e nas curvas fará ondas de mar.
Mas se segue da nascente à foz,
na outra margem é que está a flor.
Não é pisando em peixes
que conseguiremos atravessá-lo.
Largo, pinguela nele não cabe,
ponte não nos dará conhecê-lo.
Não seria sábio auscultar
o diário vaivém dos pássaros?
Com os braços dar forma
ao nosso sonho de asas?
De dentro domá-lo para sempre
com um simples remo?
Sidnei Schneider
Marcadores: Quichiligangues
CANTIGA DA TARDE CLARA
Ana vem pela estrada.
O vestido é uma palmeira.
Venta.
Pó gruda no calcanhar.
Cãozinho dá de latir.
Preto.
Da casa sai o noivo.
Dedo fisgado de anzol.
Ponte.
Correm os tamanquinhos.
O noivo sorri com mãos.
Salto.
Movem-se os lençóis.
O vento dobra o mar.
Tato.
Sidnei Schneider
do livro Plano de Navegação
Marcadores: Plano de Navegação
POESIA TRADUZIDA: LORD BYRON
EPITHAPH
Posterity will n’eer survey
A nobler grave than this:
Here lie the bones of Castlereagh:
Stop, traveler –
[and piss] I mention this, just in case...
Lord Byron (1788-1824), Inglaterra.
EPITÁFIO
A posteridade jamais verá nobreza maior
Do que esta sepultura exige:
Aqui jazem os ossos de Castlereagh:
Pare, viajante –
[e mije] digo isto, se se aflige...
Trad. Sidnei Schneider, 1991
EPIGRAM
Oh, Castlereagh! thou art a patriot now;
Cato died for his country, so didst thou:
He perished rather than see Rome enslaved,
Thou cutt’st thy throat that Britain may be saved!
Lord Byron (1788-1824), Inglaterra.
EPIGRAMA
Oh, Castlereagh! tu és um patriota agora;
Catão morreu por Roma, é tua vez, agora:
Ele pereceu para não ver escrava sua terra,
Vai, corta a garganta, e salva a Inglaterra!
Trad. Sidnei Schneider, 2002
Nota: Robert Stewart, Visconde de Castlereagh, (1769-1822), político símbolo da burguesia colonialista britânica, membro da Câmara dos Comuns de 1801 até sua morte e presidente da mesma desde 1812. Criticado também por Percy Bysshe Shelley (1792-1822), no início do poema A mascarada da anarquia, produzido após a sangrenta repressão de Manchester (1819), como um assassino suave e gentil. Ocupou o cargo de ministro da Guerra e das Colônias e participou da anexação da Cidade do Cabo e do Ceilão ao Império Britânico.
POESIA TRADUZIDA: JOSÉ MARTÍ
VERSOS SENCILLOS/ XXXVIII
¿Del tirano? Del tirano
Di todo, ¡di más!: y clava
Con furia de mano esclava
Sobre su oprobio al tirano.
¿Del error? Pues del error
Di el antro, di las veredas
Oscuras: di cuanto puedas
Del tirano y del error.
¿De mujer? Pues puede ser
Que mueras de su mordida;
Pero no empañes tu vida
Diciendo mal de mujer!
José Martí (1853-1895), Cuba.
VERSOS SINGELOS/ XXXVIII
Do tirano? Do tirano
Denuncia tudo. E crava
Com fúria de mão escrava
A ignomínia do tirano.
Dos erros? De cada erro
Mostra o quanto possas,
A trilha obscura, as poças,
Do tirano e do erro.
Da mulher? Pois pode ser
Que morras de sua mordida,
Mas não entortes tua vida
Falando mal de mulher!
Trad. Sidnei Schneider
Versos Singelos/José Martí
Marcadores: Versos Singelos José Martí
POETA CONVIDADO: CEZAR DIAS
DENTRO
não dispenso
ao amor palavras
faz tempo
acostumei-me
a ele
internalizei
está no âmago?
está no estômago?
adianta
meter o dedo
na garganta?
(inédito)
Cezar Dias, Porto Alegre-RS
Marcadores: poeta-convidado
12 abril 2005
DEBATE NO COLÉGIO APLICAÇÃO DA UFRGS:
da esquerda à direita: Sidnei Schneider, Reginaldo Pujol Filho e Fernando Ramos.