02 maio 2005

01/05/2005 - 2ª EDIÇÃO

PROMETEU

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Agrada-me o chegar perto do fogo,
no tão próximo onde se desfazem
as certezas, amo o gesto e o risco,
a aventura do fogo, e tanto mais
se for para roubá-lo de Zeus pai.
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Sidnei Schneider, 2002

do livro Quichiligangues

OS MITOS TUCUNA E O AMOR

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Os índios tucuna, que vivem ao longo do rio Solimões, utilizam-se de um relato serial para contar seus mitos. Vários episódios autônomos, mas interligados, como no folhetim ou na novela de televisão. Há um episódio em que uma esposa humana, cortada em pedaços, sobrevive parcialmente grudando-se às costas do marido.

Por toda América, lendas recontam, em termos básicos, a mesma história. Nas planícies do norte, surge uma equivalência entre a “mulher-grudada” e a rã, o que permitiu aos antropólogos elucidar o mito e seus correspondentes. A “mulher-grudada” seria um personagem feminino que, também entre nós, a linguagem popular qualifica de “pegajosa”. Simétrico, um outro relato fala de um homem, afastado ao invés de próximo, mas de uma assiduidade não menos real. Detém um pênis desmesurado, que lhe permite remediar os inconvenientes de seu distanciamento.

O mesmo mito tucuna trata, em outro episódio, de uma viagem náutica. Mitos da Guiana especificam os tripulantes da piroga: o Sol e a Lua, nos papéis respectivos de timoneiro e remador, o que lhes impõem, simultaneamente, o sentimento de proximidade (no mesmo barco) e de afastamento (um na proa, outro na popa). Ou seja, estão à boa distância, como devem estar os corpos celestes para garantir a alternância regular entre o dia e a noite. Gravuras em osso, realizadas por maias de Tikal, na Guatemala, são a expressão visível desse mito.

Nas planícies setentrionais e na bacia do Alto Missouri, alguns relatos sobrepõem todos esses motivos. Dois irmãos, Sol e Lua, buscando cônjuges ideais, discutem sobre as virtudes dos seres humanos e das rãs.

Todos esses mitos, segundo os estudiosos, tratam de estabelecer a relação entre dia e noite, que estão simetricamente separados no equinócio, quando o Sol está sobre a linha do Equador. Nada nos impede, entretanto, de levar tudo isso para o âmbito inicial das relações afetivas entre homem e mulher. Uma relação de proximidade, mas que permita a cada um cumprir sua parte, sem engonços. Uma relação de distanciamento, que não exclua o compromisso e a cumplicidade, mas que os suponha. Assim teríamos a “alternância entre dia e noite”, o equilíbrio no movimento e a possibilidade de crescimento para ambos meio à correnteza do rio.

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Sidnei Schneider, Caderno Literário CCSH-UFSM, 1995/1996

NOÇÃO DE ETERNIDADE

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Havíamos posto os corpos
ao alcance do amor
depois de comer na pastelaria.
Bebemos vinho tinto do Uruguai
e deixamos o desejo ditar
as esperanças mais recônditas.
Ardemos como ardem os casais,
até a viscosidade mútua e plena.
As estrelas moviam-se no horizonte
e o faziam por nós, sim, por nós.
Na hora de sair, no hall do prédio,
ela quis deixar um registro para o eterno:
– Amor..., o beijo do espelho!


Sidnei Schneider, 2002

POESIA TRADUZIDA: WILLIAM BLAKE

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O LIMPADOR DE CHAMINÉS
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Um pontinho preto no meio da neve
Grita “Dor! Dor! Limpador!”, não soa leve.
“Onde estão os teus pais?”, alguém troveja.
“Ambos foram rezar, estão na Igreja!

“Porque eu era alegre sem ter sorte
E sorria em meio a flocos de neve,
Vestiram-me com as vestes da morte
E me ensinaram um canto nada leve.

E porque um dia eu cantei e dancei,
Pensam que eu vivo bem nessa féria.
Foram louvar Deus, o Padre e o Rei,
Que constroem um Céu com nossa miséria.”

Canções da Experiência (1794)
Trad. Sidnei Schneider, 1999
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THE CHIMNEY SWEEPER
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A little black thing among the snow,
Crying “weep! weep!” in notes of woe!
“Where are thy father and mother, say?”–
“They are both gone up to the Church to pray.

“Because I was happy upon the heath,
And smil’d among the winter’s snow,
They clothèd me in the colthes of death,
And taught me to sing the notes of woe.

“And because I am happy and dance and sing,
They think they have done me no injury,
And are gone to praise God and His Priest and King,
Who make up a Heaven of our misery.”

Songs of Experience, 1794
William Blake (1757-1827)

01 maio 2005

POETA CONVIDADA: BÁRBARA LIA

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A Bárbara publicou em 2004 O Sorriso de Leonardo (poesia), pela Kafka Edições Baratas, de Curitiba. Está nas revistas Etcetera (nº 3) e Coyote (nº 10), e foi publicada pelo jornal Rascunho. É autora de três romances ainda inéditos.
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UM POEMA MEU PARA O GENIAL VAN GOGH:
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Vincent,
O vento mistral derruba tuas telas.
Não tens dinheiro para as aquarelas.
Théo vendeu um único quadro teu.
Todas as amadas te dizem adeus.
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As estrelas não são como as pintas...
Arlens não te suporta, óh louco artista!
Há em ti um fulgor que ninguém alcança.
Nem sabem que és louco de tanta esperança.
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Van Gogh,
Teus quadros valem milhões.
Teus girassóis estão em toda parte.
Nos museus do mundo.
Na sétima arte.
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Orgulho da Holanda...
A ruiva fisionomia,
O triste olhar.
A mensagem implícita
Na vida, nas telas, nas cartas:
Não desista!
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Bárbara Lia, Curitiba-PR
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MENINO NA BICICLETA
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Vejo asas em teus olhos.
Jardins orientais.
Cerejeiras & Origamis.
Calma alma zen
folha pálida transparente
(O vento não leva
O fogo não queima)
Em tuas pinturas
cintila ardor
na cor de mantos budistas,
colorindo peixes e pássaros.
Desejo sagrado:
Desças da bicicleta!
Caminhe duas décadas
até esta sala,
beba minha pele
morango & champagne.
Anjos, peixes e pássaros
debandarão com nosso alarde,
colorindo o céu
de rubros-laranjas-carmins
como um mural de Diego Rivera.
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Bárbara Lia,Curitiba-PR
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