30 janeiro 2012

PREFÁCIO DE "A FLOR DENTRO DA ÁRVORE"

A reinvenção de Bárbara Lia:
não vim quebrar as pernas do sol

       Se você está aqui, amigo leitor, devido ao bonito título desse novo livro da poeta e romancista Bárbara Lia, Uma flor dentro da árvore, saiba que a mim ele atraiu. Uma coisa dentro da outra, de múltiplos sentidos, nesse caso também define a concepção do volume. A partir da leitura da epígrafe da poeta Emily Dickinson (1830-1886), que inaugurou junto com  Walt Whitman a moderna poesia norte-americana, o leitor pode desconfiar que os títulos dos poemas, sempre entre aspas, sejam versos, ramos de Emily, e se o faz, acerta em cheio.
     O que nos poetas costuma ser um dos rostos do acaso, parir versos a partir de um trecho de leitura, Bárbara sistematiza, poema a poema, e com voz própria. Emily, assim, figura como uma paixão inseminadora. Não que seja a única: poetas, escritores, músicos, artistas plásticos, filósofos, seres míticos e ficcionais são citados, como se de todos a poeta e a obra necessitassem para existir.
       Com voz forte e corajosa, Bárbara diz a que veio: “Não nasci para resfriar o mundo/ Neste lento cortejo de omissões/ (...) Não vim quebrar as pernas do sol/ (...) Nasci para amar sem lastro/ Para dançar no pátio/ It’s my way” (“Até que os serafins acenem com seus chapéus brancos”). E pugna pela transparência diante do outro: “Teço/ Um ego-vidraça/ Para que enxergues/ Meu Eu// Teço/ Uma nuvem lassa/ Cortina que qualquer mão/ Atravessa// Teço/ Um hímen de fumaça” (“Uma migalha de mim”).
       Bárbara dá a ver como um mero sinal impacta: “Til a til emenda-dos/ Sinuosa corda/ Negra/ Infinita// (...) Til a til retirados/ De cada não/ Que ouvi na vida”. Contudo, a voz lírica não se submete: “De não em não/ Alçar estrelas” (“Rota de Evanescência”). Longe de convocar o leitor a olhar apenas para dentro, trata de “ruas bombardeadas” e “oito países/ a comandar a Terra” (“Sinal cifrado para enovelar o divino”), evocando poeticamente invasões de países como Somália, Iugoslávia, Iraque, Afeganistão e Líbia: “Oito canhões na praça de guerra/ Apontam para o peixe/ Que traz a paz nas guelras” (“Doce como o massacre de sóis”).
       Se o seu nome, sua identidade vital e poética, se constrói não só da própria experiência mas da de muitos, especialmente artistas, o pai é quem a nomeia: “Meu pai amava/ A amada do poeta”. Então somos levados a Minas de Tiradentes, Drummond, Guimarães, Adélia, Milton, e à realidade do interior do Brasil através da letra de “Cuitelinho”, nome dado ao beija-flor em canção popular reconstruída por Paulo Vanzolini. O que nos autoriza a pensar que o nome Bárbara relaciona-se com o da brava inconfidente Bárbara Heliodora, tema de liras do seu esposo, o árcade mineiro Alvarenga Peixoto, autor de “Bárbara bela,/ Do norte estrela,/ Que o meu destino/ Sabes guiar”. Versos como “Meu pai plantou-me/ Em Minas”, sendo Bárbara Lia de Assaí-PR, sustentam essa recepção. Observe mais uma vez o leitor, que tudo nasce de um verso de Emily, título do poema (“Toquei seu berço silencioso”). Em outro, o nome ecoa transmudado: “O tosco me agride/ Tudo o que é rude/ Um passo atrás/ A cada farpa/ A cada sílaba bárbara” (“Remando no Éden”). Em suma, se o pai nomeou-a poeta, atribuiu-lhe ainda um nome-verso, Bárbara Lia.
       A poesia, reconhece ela, não se dá sem riscos: “Não olhes o sol/ A olho nu// Isto se chama/ Violentar a Deus// Irado, Ele abrirá/ Escaras em tua retina// Abrirá o portal/ Do abismo// Para cegar teu olhar/ Que ousa afrontar// A Luz!” (“Escanear os céus com um ar suspeito”). E assim, Bárbara alcança realizar sua obra, “Arco-íris na retina/ Uma luz difusa/ Uma musa?/ Emily.../ Ninguém mais” (“Remando no Éden”).
       Sidnei Schneider,  Abril-2011.

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2 Comments:

Blogger Lohan Lage Pignone disse...

Olá, Sidney! É um prazer visitar um blog tão bom!

Conheci a escrita da Bárbara Lia ano passado e, de fato, fiquei encantado. Em breve vou adquirir o livro dela, com certeza.

Organizo um concurso de poesia em um blog, chamado Autores S/A (http://autoressa.blogspot.com), que, no ano passado, foi um verdadeiro sucesso de público e de qualidade poética. Contamos com grandes jurados, como Nilto Maciel, Jorge Tufic, João Gilberto Noll, Ana Elisa Ribeiro, etc.

Hoje, lendo alguns textos seus, me veio a iniciativa de convidá-lo a ser um dos jurados convidados do concurso de poesia deste ano. Seria apenas em uma rodada, como jurado especial. Caso fique interessado, lhe passo maiores detalhes pelo e-mail. Meu e-mail é: lohanlp@yahoo.com.br

Seria uma grande honra contar com você.

Abraços e parabéns pelo blog.
Lohan.

12/3/12 10:57  
Anonymous Raquel Castro disse...

Hoje no dia do livro gostaria de que a leitura se tornasse um hábito mais difundido, pois não sabem o que estáo perdendo em todos sentidos! Bjussss
Raquel Castro

23/4/12 11:56  

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