LEITURA: CUMMINGS E TRISTÃO
Tristão de Athayde foi comprar papel numa pequena papelaria de Nova York, em 1959. Escrevia muito, gastava muito papel. A moça da papelaria lhe disse que um outro senhor também comprava ali muito papel. Seu nome era Cummings. O poeta.
Nosso crítico perguntou se ela sabia o endereço do poeta. Sabia. Ele gosta muito de rosas. Lá se foi o menino da Casa Azul com a sua braçada de rosas visitar numa vila E.E.Cummings. O próprio poeta abriu a porta. Teve uma surpresa. Não esperava nenhuma visita.
Entenderam-se maravilhosamente. Adorou as rosas, que amava tanto. Nasceram quase no mesmo ano. Eram vizinhos de ano. Tristão achou-o simplíssimo, natural. Abandonou-se ao visitante. E essa entrega comoveu o nosso Tristão. Falaram de poesia.
E, de repente, o loquaz Tristão, que falava um inglês fluente, digno da prosa de Graham Greene, se lembrou de uma palavra de Santo Tomás que o impressionara muitíssimo. Era a frase de Tomás que mais o tocara. Uma frase rápida. Leu-a pela primeira vez em God and intelligence, de Fulton Sheen, com prefácio de Chesterton.
Disse a frase a cummings. "A razão é a imperfeição da inteligência." A pura superação do racionalismo. Cummings agitou-se. Ficou abalado com aquilo. Pediu para anotar a palavra de frei Tomás, O.P. - "Defectus quidam intellectus est ratio." Palavra breve e intensa.
E naquele fim de tarde nova-iorquino, numa sala pequena, em Greenwich Village, pertinho da Universidade de Nova York, dois poetas ficaram a conversar sobre a razão e a inteligência, Tomás e Fulton Sheen, a liberdade espiritual como suprema perspectiva da humana condição.
Foi o encontro intelectual de que Tristão mais gostou.
VILLAÇA, Antonio Carlos. Os Saltimbancos da Porciúncula .
Rio de Janeiro: Record, 1996. pp. 82-3