12 fevereiro 2010

ENTREVISTA À REVISTA VOCÊ

Dada à jornalista Jaqueline Schmidt. A edição nº 9, com várias fotos da cidade de Porto Alegre por Marcelo Liotti, reproduz meu poema Quem é que sabe? sobre uma bela foto de Gariba, e ainda traz matérias com outros poetas, como Telma Scherer e Armindo Trevisan.

Há hoje uma redescoberta da poesia no rol da cultura e das artes?

Mais ou menos depois da virada do século, Porto Alegre experimentou uma verdadeira efervescência de saraus, leituras, debates, oficinas, grupos de discussão, que ocuparam com poesia bares, livrarias, instituições culturais, universidades, etc. Eventos aglutinadores têm procurado dar vasão a tudo isso, exponenciando o que já existia.

O que a poesia tem a dizer nesse contexto?

A poesia é um veículo de humanização do mundo e do próprio ser humano através da linguagem elaborada artisticamente, e ninguém dirá que não precisamos cada vez mais disso nos dias atuais. Ela pode ser crítica, alegre, triste, solidária, satírica – ter infinitas formas - de acordo com a sensibilidade do poeta e o gosto de cada leitor. Ninguém deveria ler um poema por obrigação, escolar ou qualquer outra. A obrigatoriedade tira da poesia o que ela tem de melhor. Poesia é prazer, e quem já encontrou um poema que lhe diga algo em profundidade sabe do que estou falando. Existem as artes, cada uma causa um tipo de prazer estético, mas nenhuma proporciona aquilo que a poesia pode dar com palavras.

Que público se identifica hoje com a poesia?

Existe um público que formou sua sensibilidade em contato com a poesia e as outras artes, mas o surpreendente hoje, na minha opinião, é a presença cada vez maior da poesia entre a moçada. É só entrar num Orkut e perceber a quantidade de perfis individuais ilustrados por poemas. O fato mesmo de estarmos todos escrevendo mais depois da onipresença do computador, e quase todos os dias, provavelmente impulsiona o interesse pela palavra escrita em forma de arte, senão em todos, pelo menos em alguns.

Porto Alegre é uma cidade "poética"?

Com certeza, há muita poesia espalhada pela cidade de Porto Alegre, ávida por transformar-se em poesia escrita, necessitando apenas um olhar atento que possibilite a sua disseminação entre nós.

Por que tu começaste a fazer poesia?

Comecei a escrever poesia de um modo muito curioso. Soube pela tevê que havia sido inventada a Bomba N, a bomba de nêutrons, que matava os seres humanos e a vida em torno, mas deixava os prédios intactos para a ocupação das forças beligerantes. Aquilo me indignou, e escrevi um poema chamado Só N. Depois vieram muitos outros, sobre os mais diversos temas, a experiência amorosa, as perguntas existências, o sentido da vida, as dificuldades dos outros. Depois de muitas leituras, sempre fundamentais, e muita escrita cotidiana, foi surgindo uma voz poética própria.

Que poetas admiras?

Muitos, muitos mesmo. Para não fugir da pergunta: João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gular, Mario Quintana; Cecília Meireles, Adélia Prado, Gilka Machado, Marly de Oliveira; Charles Baudelaire, Emily Dickinson, Vladimir Maiakóvski, Matsuó Bashô, Fernando Pessoa, Dante Alighieri, Li Tai Po, e.e. cummings, T.S. Eliot, Nicanor Parra, e tantos outros.

Breve perfil e trajetória como poeta.

Sidnei Schneider, poeta, tradutor, contista. Autor dos livros de poesia Quichiligangues (2008), Plano de Navegação (1999) e tradutor de Versos Singelos/José Martí (1997), além de outras onze publicações. 1º lugar no Concurso de Contos Caio Fernando Abreu, UFRGS, 2003 e 1º lugar em poesia no Concurso Talentos, UFSM, 1995. Tradutor de William Blake e Lord Byron, entre outros.

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11 fevereiro 2010

ENTREVISTA PARA O JORNAL VAIA

'A edição 28 do jornal VAIA, agora com 10 anos de existência, traz entrevistas com Almicar Bettega, Ricardo Silvestrin e Sidnei Schneider. Contos da portuguesa Patrícia Reis e de Marcelo Benvenutti. Poemas de Ana Mariano, Lau Siqueira e Sylvia Plath. Resenha de Luiz Horácio para livro de Ítalo Ogliari. E muito mais.'

Minha entrevista a Fernando Ramos, posteriormente editada sem as perguntas, pode ser lida na edição diagramada do VAIA em pdf. Ou abaixo, com elas e o título dado pelos editores.

AS NINHARIAS DE UMA POÉTICA RIGOROSA

Sidnei Schneider,
poeta e ficcionista, autor de “Quichiligangues”, Editora Dahmer, 2008.

Fala um pouco da tua trajetória de vida e de poeta, contista e tradutor.

Minha primeira língua não foi o português, mas o alemão. Cresci em Santa Maria, ao lado do matriarcado de pindorama, enorme terreno de casas favelizadas. Queria ser químico, explodi a casa sem querer. Gostava de explorar cascatas e cavernas. Entrei nas artes via Grupo Porão de Teatro. Cursei Engenharia Florestal, algumas cadeiras de Artes Cênicas. Entrei na luta contra a ditadura, e por conta disso vim para Porto Alegre. Fiz longas viagens de aventura. Li Robinson Crusoé aos oito anos, muito gibi, e uma biblioteca pública infantil. A seguir, José de Alencar, Simões Lopes Neto, Edgar Allan Poe, Franz Kafka, Julio Cortázar, Manuel Scorza, James Joyce. A poesia veio com Ferreira Gullar. Escrevi o primeiro poema após assistir o anúncio da bomba N, que destruía apenas os seres humanos, não as construções. De modo artesanal, publiquei Poemas 1987-1992, bastante vanguardeiros, pelo menos de acordo com a concepção concretista de mundo. Outros três livrinhos enfeixaram-se em Plano de Navegação, de 1999, com dicção mais popular. Em jornais e revistas, saíram artigos, colunas, poemas e traduções. E lancei Quichiligangues em 2008. Ainda vou anexar Traduções, de 1994, com poetas de diferentes línguas, a um projeto de Poesia Traduzida. A tradução de Versos Sencillos, de José Martí, saiu em 1997. Depois, tradução e lingüística no curso de Letras da UFRGS. Com a prosa, iniciei nos anos 90, e há contos em jornais e antologias.

Qual o teu poeta referencial?

Não tenho um eleito. Cabral, Drummond, Bandeira, Gullar. Citaria Gilka Machado, Cecília Meireles, Iracema Macedo. Mais Oliveira Silveira, Nei Duclós, Marcus Acciolly. Os novíssimos, meus amigos, entre o acerto e a perdição. Fernando Pessoa e Gonçalo Tavares, Baudelaire e Rimbaud, Maiakóvski e Khlébnikov, Po Chu-yi e Li Tai Po, Dante e Leopardi, Borges e Benedetti, Walt Whitman e William Carlos Williams, Arakida Moritake e Takashi Arima, Agostinho Neto e Manuel Guedes dos Santos Lima, Emily Dickinson e Elisabeth Bishop, Nicanor Parra e Nicolas Guillén, William Blake e T.S.Eliot, Göethe e Brecht, Homero e Kaváfis, etc.

A tua poesia é pra provocar o que no leitor?

Uma reação, seja ela qual for. Gostaria de propiciar um modo de sentir, independente do que trate o poema, que servisse para outros momentos. Se der, alguma reflexão. Prazer estético, enfim. Tudo ao mesmo tempo. Mas conseguir isso não é tão simples.

Valéry diz que um poema nunca é concluído, apenas abandonado. Como é o teu processo, entre conceber e finalizar um poema?

Parto de alguns versos concebidos antes da escrita. Trabalho e retrabalho muito, várias horas seguidas no primeiro dia. Continuo, antes e depois da gaveta. Reviso diante de qualquer possibilidade de publicação, e até depois. O limite é quando digo, vai ficar assim porque pertence a uma época tal.

Pra ti como é que acontece o movimento da criação, desde a tua expressão vital no mundo até o milagre da palavra?

Bem, não tem milagre, é trabalho mesmo. Pode nascer do acaso, de uma motivação qualquer, ou de uma situação planejada. Mas planejada como expressão de um desejo. Gostaria de escrever um poema assim, ou sobre tal tema, ou com tal forma. Um conto ou poema que refletisse humor, ou horror e piedade como queria Aristóteles, ou instigasse a um posicionamento. Isso não fica na memória imediata, só percebo que realizei um desejo quando estou com o texto diante dos olhos, após meses. Mas poemas e contos nascem de infinitas maneiras, e ler é essencial.

Quichiligangues, de onde veio esse título? Parece um neologismo.

É uma palavra já existente na língua portuguesa. Um dos meus dicionários acabava caindo sempre na página que a continha. Ela tem um balanço, uma cadência, algo assim como paralelepípedo, que também é uma palavra que dança. Vem da língua banto, segundo o compositor Nei Lopes, estudioso das línguas africanas, e pode ser escrita com xis. O sentido está ligado a insignificâncias, ninharias. No fundo, é uma brincadeira irônica, tentativa de chamar a atenção para o gênero poesia, com pouca atenção crítica da mídia. Enfim, tento tirar do ostracismo uma palavra saborosa da nossa língua.

O nome do livro indicaria uma disposição de falar das coisas pequenas, onde se encontra o poético, as quinquilharias, à maneira de um Manoel de Barros ou Paulo Leminski?

Não trato de coisas pequenas, necessariamente. Drummond perguntava, Como fugir ao mínimo objeto, ou recusar-se ao grande? A poesia pode tratar de um detalhe ou ser a épica de um mundo. O importante é que o universal e o particular se articulem. Jane Tutikian, que assina as orelhas, mostra que alguns poemas fazem ponte com a cultura grega para trazer reflexões sobre nossa época. E fala do interesse pela água: o rio a ser atravessado, a tina de água quente onde se dá o amor, a enchente que traz a morte. E há algo sobre ter a visão e não ver, ou o seu simétrico, que é ser cego e ao mesmo tempo sábio. E o tema da música, em instrumentos menos óbvios. Vai do amor à luta de boxe.

E como foi o trabalho de seleção e edição dos poemas?

Escrevo muito e apresento pouco. Então a seleção é sempre trabalhosa. Levo quase um ano para montar um livro, mesmo um como esse, de poucos poemas. Mas quem vai julgar são os leitores e a crítica do tempo.

Queria que você falasse sobre o poema “Tirésias”, mas também sobre o significado da poesia e da arte. Tu achas que a poesia – a literatura em geral – consegue iluminar a realidade e provocar reflexão, enfim, sacudir o marasmo da vida cotidiana?

Alguém quer saber como é a vida de um cego, mas vem com muita superioridade. O poema joga com essa situação. No plano geral, a literatura e a poesia mexem com as pessoas, sim. A arte tem uma função, se não tivesse não existiria. Se a gente pensar em perspectivas históricas, a arte sempre ajudou o ser humano a viver. Fortalece aquilo que nos liga uns aos outros, busca tornar o mundo habitável. Por isso, a poesia e a arte são tão críticas.

A figura do poeta provoca uma indagação: o poeta é o sujeito que faz a crítica sempre ou sintetiza os valores que devem ser importantes para a humanidade?

Quem tem amor a algo, odeia o seu exato oposto. Poesia é crítica, exaltação e indagação do mundo e de nós mesmos, do coletivo humano, da nossa experiência sobre a terra.

Com relação à forma dos poemas do livro.

Já joguei muito napalm na palavra, seguindo a senda do poeta adraugnav, que é vanguarda de trás para frente, principalmente no primeiro livreto, de 1992. Hoje estou mais amplo, posso usar a terza rima dantesca em Elegia da cantora de ópera, poema que a exigia, ou buscar a nasalização do verso, pouco conhecida.

Há em São Paulo, em outras cidades do país, e aqui no RS, cursos de formação de escritores. Acreditas na legitimidade desse tipo de curso? Na tua opinião, as pessoas interessadas em iniciar uma carreira literária podem se beneficiar da metodologia da educação formal e institucionalizada?

Faço o exercício de não subestimar nem superestimar nada. Quem não tem um desejo inexpugnável de ler e escrever, predisposição de dar a cara a tapas, e alguma coisa que possa se chamar de talento, vai morrer na praia.

Acompanha a entrevista o poema
Tirésias.

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