NOVÍSSIMA: IRACEMA MACEDO
AS VESTES
Enfrentei furacões com meus vestidos claros
Quem me vê por aí com esses vestidos
estampados
não imagina as grades, os muros
o chão de cimento que eles tornaram leves
Não se imagina a escuridão
que esses vestidos cobrem
e dentro da escuridão os incêndios que retornam
cada vez que me dispo
cada vez que a nudez me liberta dos seus laços.
Entre notícias antigas e muralhas
construí com você
um amor feito alucinadamente de palavras
Meus versos seduzem os seus
seus versos aliciam os meus
Coloquei nossos livros juntos na estante
para que se toquem
e se amem clandestinamente
durante as madrugadas
BILHETINHO
Quando eu morrer
mesmo em tristeza devastada
morrerei da alegria de terem sido possíveis:
o amor a tristeza e a aventura de ser carne
em meio a tantas pedras
O HORTO
Juazeiro, Juazeiro,
o peso de tanta gente
vou levando na ladeira
tanta imagens estilhaçadas
cacos de virgens Marias
santos decapitados
braços e pernas de gesso
corações de cera
partes que foram curadas
estilhaços de uma guerra
mulheres vestidas de preto
dentro de mim vou levando
cruzes pesadas, romeiros
e uma capela de Santa Clara
acesa dentro do peito
A CHEGADA DE MERCÚRIO
Acendes espelhos por onde passo
e mesmo em tua fúria
inventas silêncios que me acalmam
mirantes fogueiras viagens
tudo me trazes nos dias
REPOSTA AO ANJO GABRIEL
Agora que aprendeste a incendiar-me
e me adivinhas inteira dentro do vestido
agora que invadiste a sala e o chão de minha casa
agora que fechaste a porta
e me calaste com teus lábios e língua
peço-te afoitamente
que me faças assim
ínfima e sagrada
muito mais pornográfica do que lírica
muito mais profana do que tântrica
muito mais vadia do que tua
em que ancoras
tua ventania nos meus braços
DANDARA
Eu só acreditava em Drummond:
o amor chega tarde
Não conhecia o amor que fulgura sem aviso
esse que se sabe proibido
o amor que já se sabe perdido desde o início
Eu não acreditava no impossível
vinha tão sóbria, tão cheia de medidas
não conhecia o esplendor da queda
nem a violência dos abismos
Iracema Macedo. Lance de dardos. Rio de Janeiro: Estúdio 53, 2000.
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