14 fevereiro 2010

Sobre Quichiligangues, por Carlos Lopes

Sidnei Schneider conserva uma clareza de expressão e um domínio dos instrumentos poéticos verdadeiramente únicos. Além disso – e talvez seja o determinante – sua solidariedade com os demais seres humanos e recusa a um egocentrismo estreito, vazio e, sobretudo, chato, faz dele um artista mais do que relevante.

Há quem fale muito do suposto divórcio, sublinhado por Hegel na poesia alemã de seu tempo, entre a ética e a estética. No entanto, não é no poema em si que esse divórcio pode ser superado, mas no encontro da poesia com a vida - eis uma lição intensamente presente no primeiro livro de Sidnei, Plano de Navegação (Dahmer, 1999), e, agora, em seu segundo livro, Quichiligangues (Dahmer, 2008), lançado na Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre.

O que quer dizer este nome estranho? Sidnei não é poeta de deixar obscuridades a afastá-lo do leitor. Pelo contrário, vê no leitor o seu semelhante. Na última página, esclarece: Quichiligangue s.f. Insignificância, bagatela.

É, portanto, um poeta que não se contenta com o vocabulário de cada dia – onde as palavras acabam gastas em seu significado. Assim são as suas bagatelas, em que se sente, ao lê-las, aquilo que se chama prazer estético – o sinal da verdadeira obra de arte.

Alguém, parece que Flaubert, definiu a literatura como a luta contra o lugar-comum. Poderia ser uma conceituação precisa da poesia de Sidnei, onde jamais encontramos solução fácil para o poema – aquela em que o extremo exemplo é a caricatural rima de bosque com quiosque, mas que, em fórmulas menos ridículas, costumam infestar determinados livros de poesia.

Não é um poeta que tem aparente facilidade em fazer o poema. Pelo contrário, ele não concede espaço para o automático. Em cada linha o esforço do fazer é uma marca, um registro típico do seu poema.

Poderíamos apontar também como Sidnei se apropriou de determinadas conquistas da poesia moderna – Eliot, Pound, Rilke, Valery - sem resvalar para o solipsismo (o “eu sozinho”) que matou tantos dos poetas que seguiram essa vertente.

Porém, melhor será que o leitor comprove se estamos ou não exagerando. Em caso de dificuldade em encontrar o livro – a distribuição de livros no Brasil ainda não entrou no PAC do presidente Lula – basta pesquisar na internet.


Carlos Lopes é jornalista, escritor e psiquiatra em São Paulo. Autor de “Cão”, poemas, Rio, 1968; “Jacques Monod e o determinismo”, ensaio, Rio, 1972; “Princípios gerais em psicoterapia”, Recife, 1980; “Noigandres é uma noz grande”, ensaio, Fortaleza, 1987; “A voz interior em José Alcides Pinto”, ensaio, Fortaleza, 1989; “Brasil, uma interpretação histórica”, São Paulo, 1998; “Desafios éticos atuais na psiquiatria”, Brasília, 2001. Texto publicado no jornal Hora do Povo, por ocasião do lançamento do livro em 2008, sob o título "Encontro da poesia com a vida em novo livro de Sidnei Schneider".

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