Sobre 'Plano de Navegação', por Arthur Hentz
Ao superar a ilusão de que a formalidade e o artifício conduziriam ao futuro, matéria de “trigênios” e outras guardas, a poesia de Sidnei Schneider reencontra os valores humanos essenciais. “Núcleo de cometa, não cauda”, como queria o genial Lobato, não vem transplantada, é nossa, genuína, brasileira e, em função disso, capaz de atingir o que há de comum entre os seres humanos. Daí a tranqüilidade do poeta para incorporar ou refutar influências na elaboração do seu trabalho.
Plano de Navegação concede um prazer emotivo e lúcido. Quem crê que a poesia se meteu num beco sem saída deveria lê-lo. O poema inicial, “Depois do Bojador”, nos diz que “Sim, vale a pena,/ Qualquer o gesto,/ Para que finde/ A dominação/ Que nossos filhos/ Devora ainda”, efetivando profícuo diálogo com a primeira das Odes de Ricardo Reis. Em “Barcarola do amor”, a repetição quíntupla da partícula ar traz o vento necessário para que a proposição de movimento se realize, através da transformação anagramática da palavra vela em levas: “Por que não juntar ao dela/ O amor que tu carregas?// Se teu ar abarca a vela,/ Não vês que o barco levas?” Há um encontro, o popular conflui para o erudito (“Represar um rio é impossível./ O rio insulta a barragem.// Se sustém uma folha calma de lago,/ amplia suas pernas de Heráclito” – no premiado “De como lidar com rio”) e o erudito flui para o popular (“Não me satisfaz a calha/ No só juntar chuva fina,/ Quero ser afluente do rio/ Que faz mover a turbina” – “Quadras”). O périplo do palhaço – artista e povo – que aplaude com os dedos indicadores um mandatário execrável, em “Rumo ao Planalto”, para depois sentar no seu pescoço, retoma o que poucos têm coragem de atualizar, o poema dito político, ainda que todos e quaisquer poemas, de uma forma ou de outra, expressem um posicionamento e uma visão de mundo.
Com Estação de Encontro tem início a crítica e autocrítica ao formalismo ineficaz (“palavra solta, isolada, gatilho armado/ fora da espingarda, tiro que volta/ sem mesmo culatra” – “Lancei-me sobre os telhados do mundo), bem como ao excessivo subjetivismo (“Sol é maior que umbigo” – “Temporada”). “Cartilha”, um poema em /a/, propõe que a palavra seja apenas um “vasto caminho para a/ mais laica ação iluminada”.
Primeira Feira permite-nos compreender como tudo começou. Há adesão aos aspectos criticados no parágrafo anterior e tentativas tênues de superá-los. Ressalte-se o humor de “Às favas co’ela” e o lirismo de “Como vamos nos ver?”.
Para quem reflexiona constantemente a própria obra e encontrou a forma de fazê-la avançar – “mas se alguém quer saber/ como não perder o alento,/ trabalhe sempre e mais/ desconfiando do talento.// certeza impede o intento” – é um belo começo.
Arthur Hentz, 1999.
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