14 outubro 2009

ODE AO GATO: PABLO NERUDA

À Maiara,
Edna,
Fabriano,
Mara,
Clarissa,
Juliana,
Stefania
e todos
amantes
de felinos.
Foto: poeta
Mara Faturi.

ODE AO GATO

Os animais eram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco foram se
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça, vôo.
O gato,
só o gato
apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato
do bigode ao rabo,
do pressentimento à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro.

Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma coisa só
como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa
de uma nave.
Os seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogar as moedas da noite.

Oh pequeno
imperador sem orbe,
conquistador sem pátria,
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na interpérie
reclama
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.

Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insígnia
de um
desaparecido veludo,
certamente não há
enigma
na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertence
ao habitante menos misterioso,
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gatos, companheiros,
colegas,
discípulos ou amigos
do seu gato.

Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica,
o gineceu com os seus extravios,
o pôr e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casaca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
os seus olhos tem números de ouro.

Pablo Neruda
Navegaciones y Regresos, 1959

4 Comments:

Blogger Juliana Meira disse...

Sidnei,
lindo esse poema do Neruda. os mais chegados em gatos logo os identificam. "Ode ao Gato" é pura verdade!
bela a imagem capturada pela Mara.
um gato d'água!

14/10/09 08:57  
Blogger Siane disse...

Bah, Sidnei, adorei a imagem!
Nooooossa, que coisa mais linda! Não adianta, a natureza sabe o que faz! heheh... :)
E o poema do Neruda, bom, sem comentários. Eu não conhecia, mas achei fantástico. Perfeitas as descrições e comparações! Adorei!

Beijão.

14/10/09 09:43  
Blogger Mara faturi disse...

Querido poeta,

saudades de vc;)
Alegria no meu dia ler esse poema "felino"... belíssimo!!!!
* ver a imagem de meu "gato do mar" , é presente ( tb para mim, hj é niver de minha única mana)
Obrigada pelo poeminha do Ungareti; Amo , em especial estes "poemínimos" dele;)
Que bom que a palavra e a poesia nos unem, vida longa!!!
Grande bjo, com carinho!

14/10/09 10:43  
Blogger Ricardo Mainieri disse...

Neruda e seu arsenal de palavras indômitas.
Retratou a seu estilo os felinos.
Peço minha carteirinha, também, neste clube de adoradores de gatos.
inclusive tenho poemas sobre estes bichinhos, p. ex. Miau, que está no site da Leila Miccolis.
Parabéns, também, a gateira e fotógrafa Mara Faturi.

Abs.

Ricardo Mainieri

PS.: mandei um texto fazendo uma análise de teu livro.

15/10/09 17:18  

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