08 outubro 2009

JORNADA DE POESIA + A BUSCA DO NOVO:

Participar de mesas de debates é ótimo, sempre se sai delas enriquecido. Na 2ª Jornada SESC de Estudos de Poesia, realizada em Bento Gonçalves de 05 a 09 Outubro de 2009, tive o privilégio de ser o mediador dos poetas Armindo Trevisan, na abertura, e Antonio Cicero (foto), no en-cerramento. Fabrício Carpinejar, Marlon de Almeida, Ricardo Silvestrin, Alexandre Brito, Ronald Augusto, Telma Scherer, Rubem Penz, Sérgio Napp, Dilan Camargo, Maria Carpi, Maria do Carmo Campos, Caio Ritter, entre outros, também fizeram parte do evento.
O título da primeira mesa era verdadeiro oxímoro, Breve história da poesia ocidental, mas excelente enquanto provocação. Armindo Trevisan iniciou lendo poemas sumérios de 6.000 anos atrás, originalmente escritos em cuneiforme em frágeis tabuinhas de barro. Seguiram-se poemas da Babilônia e do antigo Egito, com direito à fuga para os não muito ocidentais China e Japão, saltando então para a Roma de Catulo. O recorte privilegiou a lírica, com poemas amorosos, eróticos, lamentações e elegias, talvez por ser a poesia épica do período mais estudada. Com o tempo da palestra se exaurindo, limitei-me a dizer algo sobre a permanência quase despercebida dos poetas latinos entre nós, inclusive na linguagem cotidiana, citando trechos de Lucrécio, Ovídio e Virgílio. Conviver, viajar e falar de poesia com Trevisan também foi muito bom.
Não conhecia Antonio Cicero pessoalmente, um cara muito afável e tranquilo. Na mesa O poema enquanto obra de arte, levantou aspectos formais e possibilitou que se fruíssem em detalhe poemas de Carlos Penna Filho, Cruz e Sousa, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Augusto de Campos, alargando as possibilidades de leitura do público.
Na impossibilidade de reproduzir as palestras, destaco artigo de Antonio Cicero sobre a questão do novo em poesia. Ainda que aí não se trate de discutir em conjunto os equívocos do concretismo e de Pound, a suposta supremacia dos poetas inventores a frio, defendida por aqueles e não apenas por Mario Faustino, é criticamente superada com argumentação equilibrada e consistente.

A BUSCA DO NOVO

Antonio Cicero

O poeta Ezra Pound inventou inúmeros slogans, máximas, esquemas classificatórios, etc. O problema de tais gnomas e traçados é que, retirados dos contextos -muitas vezes polêmicos- em que foram enunciados, eles tendem a esclerosar, tornando-se dogmas que empobrecem as questões a que se referem.
Assim foi, por exemplo, a classificação dos poetas em inventores, mestres e diluidores. Com base nela, Mário Faustino, por exemplo -que, entretanto, em outras ocasiões, mostrou-se um crítico perspicaz-, foi capaz de declarar que Carlos Drummond de Andrade era, "quando muito, um "master". Não é um "inventor" [...]. Nunca seria um Pound, nem mesmo um Eliot".

A meu ver, vários equívocos se manifestam nessas proposições, todos devidos à aplicação rígida das classificações de Pound. Elas pressupõem, por exemplo, que Ezra Pound seja indiscutivelmente melhor do que T.S. Eliot. Por quê? Porque Pound se aproximaria mais do paradigma do inventor. Ora, 50 anos depois de Faustino ter feito esse juízo, nada indica que o valor relativo desses dois poetas venha algum dia a ser um ponto pacífico. Eu mesmo, se tivesse que escolher entre os dois, ficaria com Eliot.

Outra pressuposição inaceitável é a de que Drummond jamais estaria à altura de "um Pound" ou de "um Eliot". Como pode Faustino pensar isso? É que Drummond, segundo ele, é um mestre, não um inventor. Mas, para mim, é claro que Drummond era um inventor, um mestre e, às vezes, até um diluidor: e que era capaz de ser tudo isso num só poema. Que grande poema não é simultaneamente uma obra de mestria e de invenção? Drummond foi um dos maiores acontecimentos da poesia do século 20 e, enquanto poeta, não é em nada inferior a Pound ou a Eliot ou a quem quer que seja.

Mas o culto ao inventor é freqüentemente associado ao slogan "make it new", que pode literalmente ser traduzido por "faça-o novo" e, menos literalmente, por "faça o novo". A própria idéia da valorização da novidade não é nova; nem é nova a rejeição a essa idéia. Na Atenas clássica, Isócrates já dizia que o importante não é fazer o mais novo, mas o melhor. Mas hoje ouço ou leio freqüentemente jovens poetas, influenciados por essas idéias, falando em "buscar o novo". Evidentemente, a intenção deles não é, por exemplo, achar alguma obra de arte que acabe de ser feita (logo, que seja nova) e copiá-la. Não: o que querem é achar alguma idéia nova (no sentido de que jamais tenha sido pensada). Ora, não há como buscar uma idéia de que não se tenha idéia nenhuma, e não se pode ter idéia nenhuma de uma idéia que não exista. Não há como buscá-la: uma idéia nova aparece ou não. Por isso, Picasso dizia, com razão: "Não busco, encontro".

No fundo, o problema está na descontextualização do slogan "make it new". Recontextualizando-o, o poeta Haroldo de Campos o interpreta como uma exortação a "remastigar a herança cultural universal para "nutrir o impulso': renovar". A injunção de Pound também deve ser entendida a partir da definição que ele próprio dá da literatura como "news that stays news": novas que permanecem novas; novidades que permanecem novidades. O novo que permanece novo não é simplesmente "o novo", mas aquilo que não envelhece. "Um clássico é um clássico", afirma Pound, com toda razão, "porque possui um certo eterno e irreprimível frescor".

Já os poetas líricos gregos pensavam desse modo. Os poetas épicos haviam considerado as Musas -as deusas que inspiram os poetas- como filhas da Memória. Supõe-se, às vezes, que isso representasse o reconhecimento da importância da memória e da memorização para a poesia oral. Outra hipótese é que esse mito refletisse o fato de que os poemas épicos preservavam a memória de feitos originários da comunidade.

Os poetas líricos, porém, compreenderam que o que preservava a memória dos feitos da comunidade era a memorabilidade dos próprios poemas que cantavam tais feitos. Para eles, o feito mais memorável de todos era, portanto, o próprio poema. A memória da Guerra de Tróia era preservada, não tanto porque fosse, ela mesma, memorável, mas em virtude da memorabilidade do poema que a cantava, a "Ilíada".

Nesse sentido, as Musas eram filhas da Memória porque representavam a fonte da qualidade (divina) que tornava os poemas deles -mesmo quando não tratavam dos "grandes temas", mas apenas, por exemplo, dos seus amores- inesquecíveis, memoráveis, dotados de "eterno e irreprimível frescor". (Grifos do blogueiro)

Artigo de Antonio Cicero publicado na Folha de São Paulo em 25.08.2007.

Guardar e outros poemas de A.C.

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1 Comments:

Blogger Ricardo Mainieri disse...

Sidnei:

Vejo um grupo de poetas preocupados em analisar seu discurso e reavaliá=lo, segundo critérios ténnicos.
Infelizmente, nem tudo e poesia, como determinados poetas querem. E estes, muitas vezes, são maioria.
Debato-me com esta questão do rigorismo formal, do respeito ao inusitado, ao incriado.
Porém, vejo qaue tem gente que diz qualquer coisa E acha que é poesia.
Os orientais consideram o haicai um do, ou seja, um estudo, um ensinamento. Tenhamos nós, ocidentais, o mesmo respeito nipônico pela Literatura.

Abraço.

Ricardo Mainieri

10/10/09 22:44  

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