A escritora Jane Tutikian, professora da Univer- sidade Federal do Rio Grande do Sul e doutora em Literatura Comparada, escreveu a apresentação de Quichiligangues, meu livro de poesia lançado em 2008. Atuando na área de Literatura Portuguesa, dedica-se à obra de Fernando Pessoa e poetas portugueses e africanos. Entre mulheres (WS, 2005), livro de contos, e Fica ficando (Edelbra, 2007), novela juvenil, estão entre suas últimas publicações. Recebeu os prêmios Jabuti, Açorianos e Tibicuera. UM POETA DIFERENCIADO
Quem sabe/ sabe o quê?
S.S.
Quichiligangues é o segundo livro de poesias publicado de Sidnei Schneider, o primeiro foi Plano de Navegação (Dahmer, 1999). Não se pense, entretanto, que, por ser apenas o segundo, se está diante de um poeta iniciante, à procura de um caminho. Não! Está-se, isso sim, diante de um desses poetas que já nascem maduros, o primeiro livro já mostrava isso, e, por isso mesmo, aqui se reafirma um poeta diferenciado.
Em Schneider, não há a pressa da poesia fácil que desliza sobre superfícies frágeis e transitórias, tão comum no nosso tempo. Ao contrário, sem medo do modismo contemporâneo, como a cantora de ópera, sua poesia emerge da sensibilidade do homem, da inquietação estética do poeta, do conhecimento do mundo mitológico do bacharel em Letras. Esta é a fórmula de construção de Quichiligangues.
Abre o livro o belíssimo “De como lidar com rio”. Ao resgatar essa metáfora universal da vida, o poeta faz uma fala delicada e firme a este tempo, caracterizado pelo individualismo, pela descrença nos valores simples, pela destruição inconseqüente em nome de um viver feito de paradigmas relativos. Eis seu alerta: Não é pisando em peixes/ que conseguiremos atravessá-lo ou ponte não nos dará conhecê-lo. E, sabiamente, como todo o grande poeta, Schneider não impõe verdades: semeia dúvidas, incertezas, os talvez-caminhos: Com os braços dar forma/ ao nosso sonho de asas? Ou, quem sabe, De dentro domá-lo para sempre/ com um simples remo? A temática da água volta em “Oceaníade” e “Poema de inverno”, “Elegia da cantora de ópera” e “À modelo-vivo”. Todos da mesma qualidade.
“Tirésias” inaugura um outro tema recorrente do livro e preocupação essencial do poeta: ter a visão e não ver. Ele também está lá, de forma sutil, em “Os boxeadores”.
A tentativa de diálogo com a porta e o apelo desesperado do final: Fala! é o grito da incomunicabilidade e da solidão do amor, das pessoas, do mundo. O único mutismo quedo e exato que no vento produz carícias é o da evocação de Carlito.
“Descanso” e “Recomeço” dialogam entre si, feito exposição de desumanização, mas não há lugar para a desesperança na poesia de Sidnei Schneider, a desesperança não o [o trabalhador] adoece. “Ganha pão” se instaura também neste eixo temático, assim como “O bandônio”: agora quero alegria/ agora quero dançar/ mas cadê o bandônio!
A contemporaneidade ainda é vista crítica e delicadamente em “Cerâmica” ou em “Quem é que sabe?”, mesmo porque, se pergunta o poeta, Quem sabe,/ sabe o quê?
“Prometeu” é, sem dúvida, a síntese do fazer poético de Sidnei Schneider em Quichiligangues. Prometeu significa aquele que premedita, evoca aquele que, na mitologia, consegue, com habilidade, enganar Zeus. Aí, anuncia o poeta: Agrada-me o chegar perto do fogo,/ no tão próximo onde se desfazem/ as certezas, amo o gesto e o risco,/ a aventura do fogo. De fato, Quichiligangues é a aventura do fogo, é o risco da aventura, o desfazimento das certezas. É onde reside o prazer de sua leitura: na inquietação semeada no leitor. E quem há de negar que este é o melhor do melhor da poesia? Fecha-se o livro. Continua-se Quichiligangues.
JANE TUTIKIAN, junho 2008
Marcadores: Crítica, Quichiligangues
2 Comments:
Eu tenho! E com dedicatória! :)
Sim é bom ouvir quem sabe oq eu fala
Prazer
Bom espaço pra se voltar
Postar um comentário
<< Home