13 setembro 2009

POETA CONVIDADO: NEI DUCLÓS

Outro dia, numa entrevista, insta-ram-me a elencar poetas da minha predileção. Sempre encaro essa pergunta como sugestionadora de leitura. Citei vários, de todo lugar e época, e dois gaúchos: Nei Duclós e Oliveira Silveira. Poetas reconhecidos, merecem leitura dedicada e um público cada vez mais amplo. O primeiro livro de Nei é hoje um clássico, Outubro (IEL/A Nação, 1975). E que clássico aqui não signifique coisa antiga: são poemas que têm muito a dizer, hoje e sempre, como prova a sua intensa veiculação em sites, blogues e perfis do Orkut. Depois veio No meio da rua (LP&M, 1979), com um belo e bem-humorado prefácio de Mario Quintana (a reserva que este se impunha diante de tais obrigações literárias é a melhor indicação do seu apreço pela obra). Ainda no âmbito da poesia, No mar, veremos (Globo, 2001). Titulo que é já um poema, recupera com alta qualidade temas como o rio e o mar, ambos tão próximos à trajetória do autor, numa perspectiva que foi sempre, e é, a sua: humanizar o ser humano (sem excusas para quem enxergar redundância). Nei publicou a seguir o romance Universo baldio (W11/Francis, 2004), prefaciado por Raduan Nassar; contos e crônicas em O refúgio do príncipe, histórias sopradas pelo vento (Cartaz, 2006); e o juvenil, em parceria com Tabajara Ruas, Meu vizinho tem um rottweiler - e jura que ele é manso... (Galera, 2007). ORKUTÍADA Nei Duclós O Orkut é feito de despedidas (Bom finde, boa noite, até a próxima) De mensagens não solicitadas (Jesus te ama muito, viu?) De comunidades bizarras (Adoradores de melão em fatias) De fóruns militantes (vocês são todos de direita) O Orkut vive inacessível (No donuts for you) Com fotos ocultas (Só para os amigos) Perfis clonados (Cool and nerd, baby) Nacionalidades tortas (Ilhas Fiji, Tuvalu) O Orkut é feito de convites (Venha mastigar conosco) De pura espionagem (passeei nos teus scraps) De auto-celebração (Convença-se que sou foda) De tópicos de esculacho (vai aprender a ler) O Orkut só dá dor de cabeça (quem será o anonymus?) Mantém no ar os mortos (esteja onde você estiver) Provoca mal-entendidos (vi você ontem na Argélia) Atrai inúmeros encostos (me adiciona, vai) O Orkut é para solitários (postagens às duas da manhã) Alma em busca de si mesma (search meu nome completo) Coração fechado para balanço (é que você não me conhece) Corpo imóvel na cadeira (quis sair, mas havia trânsito) Mas às vezes vem um testemunho (o que dizer de você?) Um poema já esquecido (lembrei do que me escreveste) Uma amizade perdida (você não é Ô, não é Á?) E tudo muda no Orkut (quem será que me visitou?) O Orkut se repete como os dias Deveríamos abandonar o Orkut Mas como saberíamos da existência alheia? Como repartiríamos a amargura da distância? Como evitaríamos tantos reencontros? Como abriríamos mão da vida? Como seríamos fora das paredes? Como deixaríamos perguntas no ar? O Orkut nos mantém afastados Com todo mundo de tocaia Em busca de algumas vontades De retomar os quintais De subir em árvore De cruzar o rio a nado De escorregar no parque De ler um livro Seria bom, depois de uma trilha Voltar ao Orkut para contar como foi Mas aí correríamos o perigo De nos perguntar: para quê? Se tudo acaba em frente à tela Mesmo que a gente dê a volta ao mundo Mesmo que a gente suba no Himalaia Mesmo que a gente engula o mar oceano O Orkut, como a vida, não serve para nada Por isso me deixe fazer uma pesquisa Pedir socorro, encontrar o que não devia É por isso que passo horas no Orkut Horas, não, segundos Mas são tantos ao longo do tempo Que se fossem unidos num só comboio Daria para ir até a Lua e voltar [Publicado com autorização do poeta] Leia mais: www.consciencia.org/neiduclos/view/Topic/Poesia http://www.outubro.blogspot.com/ www.revista.agulha.nom.br/neiduclos.html

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5 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Sidnei, poeta amigo:

Quando fiz 60 anos, entrei na fase perigosa para homenagens. Perigosa porque, como não estou acostumado, posso estranhar, e qualquer impacto poderia ter, digamos, fortes repercussões aqui no corpo calejado. Mas como sou ainda guri - não me sinto, sou mesmo - e me sinto ainda eternamente marginalizado (o que é uma injustiça, fruto da manha do poeta) encaro as homenagens com a mesma alegria como se ainda estivesse começando a publicar meus poemas.

Porque é isso que as tuas palavras fazem no escriba veterano: me enchem de uma alegria generosa, grande, com impulso de valanche. Não se trata de vaidade ou o que quer que seja. Mas da grandeza que você me transmite e, ao abordar com tanta clareza e afeição o meu trabalho, me presenteia, como se hoje fosse um daqueles Natais antigos.

Obrigado, poeta. Mais não posso dizer. Grande abraço

Nei

Recebido via e-mail.

13/9/09 22:13  
Anonymous Anônimo disse...

Muito legal esse poema, Sidnei
Bom início de semana,
Lúcia

14/9/09 00:23  
Blogger Juliana Meira disse...

belo post Sidnei!
viva a poesia de Nei Duclós!!
bjs

14/9/09 14:37  
Blogger Unknown disse...

Acho que foi a melhor definição do orkut que já vi. Além de verdadeira é poética.
bjus

22/9/09 15:01  
Blogger Sidnei Schneider disse...

Sabe, Nei, não quis homenagear ninguém. Gosto da tua poesia, e pronto. Temos que ler os nossos melhores poetas, autores dessa arte na qual é tão difícil realmente acertar. Me fez bem ler esse teu texto, papo de gente que é gente, sem frescuras personalistas.
Abraço,

Sidnei

27/9/09 22:44  

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