06 novembro 2009

FATO JORNALÍSTICO: O POEMA E A VERSÃO

O Jornal do Comércio do dia 06.11.2009 publicou um poema meu na seção Livros, o que muito me honra. Ocorreu, no entanto, uma adequação do poema à linguagem prosaica, e o que era "para ser lido aos tropecinhos", no dizer de uma amiga escritora, ficou liso e aguado.

Perdeu-se um trabalhado corte do verso do tipo enjambement, a multiplicação dos significados entre o que é sugerido no final de um verso e o que se depreende ao continuar a leitura no outro, a proposital busca da lenta fruição através do lento descortinar de termos e versos, a similitude entre dizer e discer e o reforço do desejo de dizer algo para a amiga em função dessa quase repetição (ao modo do que acontece entre lábil - o que escorrega, desliza ou cai facilmente - e lábios), a visualmente oblíqua rima entre dormir e nir em troca de uma menos criativa com discernir, o mesmo quanto à rima vocálica entre favo e labios, a simetria entre as posições de sem e con no segundo e penúltimo versos gerando novo sentido, a proximidade entre as aliterações de avesso e favo, etc.

Enfim, perdeu-se um bocado de trabalho e poesia. A palavra espanhola labios, porém, ganhou um acento agudo...

E, é preciso que se o diga, foi enorme a boa vontade do jornalista em me solicitar um poema, em publicar poemas na sua coluna como há muito tem feito, esse objeto estético-literário tão ausente dos grandes jornais, e nem é a primeira vez que nela figura algum trabalho meu. Talvez o diagramador tenha resolvido diminuir o número de linhas seguindo as leis de economia da área de papel ou compreendeu que havia quebra involuntária dos versos, não sei. Mas como resolver esse problema, nada incomum nas redações de jornais e revistas? Como tratá-lo sem ser mal-agradecido, como agradecer sem ser subserviente?

Como garantir à poesia o que é da poesia?

P.S. 09.11.2009: O JORNALISTA RESPONSÁVEL, MUITO AMA-VELMENTE, INFORMOU QUE ENVIOU O TEXTO DO POEMA CONFORME O RECEBEU, DESTACANDO QUE ALGUMA COISA OCORREU NA HORA DA DIAGRAMAÇÃO.


Abaixo, o poema como o escrevi, e depois, comforme publicado:

PER UNA AMICA
                                                                     .
não vou dormir
sem
do recanto lábil
da
tua fala dizer
pelo
menos um discer-
nir
avesso de todo
favo:
me gusta hablar
con
tigo sin lábios

.
Sidnei Schneider


Per uma amica

não vou dormir
sem do recanto lábil
da tua fala dizer
pelo menos um discernir
avesso de todo favo:
me gusta hablar
contigo sin lábios

1 Comments:

Blogger Edna Hornes disse...

Os tropeços fazem falta, sim. Me gusta con "tropeços". :)

E obrigada pelo "escritora". Palavras prezadas.

Bj

9/11/09 01:07  

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