05 dezembro 2008

QUATRO POETAS

Convidei Bárbara Lia, Laurene Veras, Neli Germano e Juliana Meira para abrir esta sessão do blogue. Bárbara vive em Curitiba. As outras três, em Porto Alegre. E convido os leitores a se aproximarem dos seus poemas.

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PROFANA

A cor do amor é branca,
e o amor tem uma covinha do lado direito do rosto
e o amor me olha como alguém
que jamais vai tirar a minha calcinha
e gozar o céu dentro de mim.
O amor sempre vai me olhar
como se eu estivesse num altar de papel.
Para o amor, eu sou uma rima
e rima não tem vagina.
Para o amor, eu sou uma ode
com uma ode ninguém fode.
Eu sou um verso alexandrino
jamais tocado pelo herdeiro deste nome.
Eu sou a palavra, e a palavra, a palavra é Deus
Deus ninguém come, mas,
será que beber
pode?

BÁRBARA LIA
Noir. Curitiba: ed. Autor, 2006.


SEGUNDA MORTE

O pelotão avança, cascata de passos
Em adágio, botas resvalando relva.

Coração acelera. O homem calvo cobre
Meus olhos. Aguardo o fim.

Lembro negro olhar em chamas, encanto.
Fatal certeza... Morrer? Já morri por ti.

BÁRBARA LIA
O sal das rosas. São Paulo: Lumme, 2007.

http://chaparaasborboletas.blogspot.com/
http://soulbarbaralia.blogspot.com/

Bárbara Lia é poeta, escritora e professora de História. Publicou os livros de poesia O sorriso de Leonardo (Kafka, 2.004), Noir (ed. do autor, 2.006), O sal das rosas (Lumme, 2.007), A última chuva (Mulheres Emergentes, 2.007), e o romance Solidão Calcinada (Secretaria Estadual da Cultura / Imprensa Oficial do Paraná, 2007).

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LEIA-ME

Se você
sente prazer
em me ler,
então seja eu
uma Bíblia Sagrada.
Tenha fé,
e me percorra,
em busca de Deus,
ou do Nada.

Mas se eu for em ti
um periódico,
até permito
que te deleites
com minhas imagens.
Nada metódico,
anote números
em minhas margens.
E depois
me abandone
ao esquecimento,
até desconjuntar-me o vento.

Eu quero mesmo
é ser em ti
um livro raro.
Que te admire
manusear-me
como eu fosse
teu privilégio.
Um artigo
dos mais caros,
uma homenagem
à memória,
um poema,
ou uma história.

E depois
de te entranhar
meu conteúdo,
antes do sono,
com cuidado
me descansar
no criado-mudo.

LAURENE VERAS


TRINTA E TRÊS

Desperdiço
o pulso
alguns vícios
outros sustos
duas ou três
insuspeitadas alegrias.

Esperando
para jogar os sapatos
aos corvos
e atravessar a neve descalça.

Diga trinta e três.

Ao fundo,
aquele
tango argentino.

LAURENE VERAS

http://lulinlulin.blogspot.com/
Laurene Veras é poeta, licenciada em Filosofia pela UFRGS, recentemente aprovada para o Mestrado em Literatura de Portugal e Países Africanos de Língua Portuguesa na mesma universidade, tendo antes concluído as cadeiras, sem dissertação, do Mestrado em Literatura Portuguesa na USP. Publicou poemas na revista Vox, nos jornais Blau, Vaia e Zero Hora.
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CASA DE INFÂNCIA

Tempo é criança jogando, brincando. Reinado de criança.
Heráclito – Fragmento 52


1

Ensaboar – enxaguar
Secar louça – guardar

- Deixa de ser lerda - dizia minha mãe
Ser lerda é brincar de faz-de-conta
Refletir-se nas bolhas de sabão...

NELI GERMANO
Casa de Infância, inédito.

2

As notícias chegavam lá em casa pela voz de um rádio
e de um jornal enorme, eu até cabia dentro dele.
O rádio sabia até quando algum parente nosso
passava mal ou falecia, endereço e tudo.
Narrava jogo de futebol e o Movimento pela Legalidade.
Meu pai achava importante saber o que acontecia no Mundo.
Ele e um tal de seu Ezalter ficavam horas e horas
conversando sobre essas coisas de gente grande.
O jornal tinha uma coluna infantil aos domingos,
Que eu lia todinha, de pernas pro ar...
Meus olhos espicharam junto comigo,
quando me apresentei ao Mário Quintana
neste mesmo jornal.

NELI GERMANO
Casa de Infância, inédito.

Neli Germano é poeta e concluiu parte dos cursos de Letras, Filosofia e Serviço Social. Participa das antologias Poemas no Ônibus, Garimpando Letras, Pérgula Literária, Vínculos, Gente da Casa e do CD Confraria de Poetas. Publicou poemas em Zero Hora e participa de recitais, destacando-se o ‘Com as mulheres são outros 500’, no Teatro do SESI.

4 -------------------------------------------------------------------------------



1

sobre o papel
descansa a mão do poeta

um a um como notas
de orquestra
os versos lhe saltam à idéia

o velho maestro então lhes põe forma
rabisca contorna
verso a verso se arrisca
recita

por entre os dedos a caneta
transborda a tinta
flutua a pena

da mão trêmula à escrita
rege um poema

JULIANA MEIRA
inédito


2

o canto
da sala
cujo pó guarnece
vê o sol que desce
da vidraça entreaberta
desabitado ouve
a passarada o jornaleiro
o cachorro a piazada
exposto à poeira
da vida que é lá fora
na calçada
pena que o vento lhe condena
à luz míngua sorrateira
vexado ouve a gente toda
barulhenta
o canto
cala

JULIANA MEIRA
inédito
Juliana Meira é poeta e advogada. Nasceu em Carazinho e reside em Porto Alegre desde 2006. Poeta de sangue novo e promissora, participa de recitais, e apresentou-se no 2° PortoPoesia.

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5 Comments:

Blogger Lisiane V disse...

Ótimo!
Adorei conhecer alguns destes poetas, aqui.
Continue!

8/12/08 01:17  
Anonymous Anônimo disse...

Gostei dos poemas, bela reunião.
Giberto, BA.

8/12/08 03:06  
Blogger Juliana Meira disse...

Sidnei

fico feliz em participar de teu espaço junto as poetas Bárbara Lia, Laurene Veras e Neli Germano.
obrigada obrigada!

8/12/08 11:56  
Blogger Adauto Suannes disse...

Parabéns ao Sidnei pela contratação da Juliana.
Grande poetisa.

11/12/08 09:53  
Anonymous Anônimo disse...

boa seleção.

18/1/09 17:49  

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