16 outubro 2008
"A música produz excitações sutis, excitações mais sutis, mais complexas, e portanto mais perigosas. A literatura, por outro lado, quer encontrar o fio da meada das excitações, quer elevá-las até o nível da consciência, depurá-las e assim harmonizá-las. A música é uma multiplicação da vida sensível. A literatura, pelo contrário, é sua domesticação e sublimação."
Franz Kafka
4 Comments:
uau! trecho polêmico. a música é também domesticação: modular as sensações através da matemática é também uma forma de reter e ter autoridade sobre elas. fico aqui me perguntando: quantos tapas um bom show de jazz evita? a música é também sublimação. esse trecho me tocou fundo porque, aliás, sempre achei música e literatura tão tão próximas que não consigo compreender esse tipo de diferenciação. mas tem aí um ponto lindo: parece que a música se aproxima mais do instinto e da sensação ao natural. (e quem sabe o kafka quando escreveu isso não se colocou, ao pensar a literatura, como criador e, por outro lado, ao afirmar posições sobre a música, somente como apreciador?)
delícia ouvir a argumentação inteligente da telma: ela consegue ir até o desdobramento da coisa e procura, ainda, entender o outro, nessa caso, o kafka. que raro, e bonito. a mim, o que chama a atenção nesse texto, é o implícito de que a literatura é feita com palavras, signos carregados, forjadores do humano como propôs lacan, em parte conscientes de si mesmos por assim dizer, não apenas naturais ou instintivos, e por isso um tantinho diferentes das suas irmãs, as notas (ou, se se quiser, dos seus irmãos, os sons não verbais). é claro que a telma tem razão quanto à domestição exercida pelos criadores. e nós, os ouvintes, podemos domesticar, sublimar e nos peder na música, talvez tudo ao mesmo tempo. lembro, também, do freud, que não curtia ouvir essa arte perigosa, a música o perturbava, por trazer à superfície algo sobre o qual ele, o pai da psicanálise, não exercia controle.
valeu telma!
genial essa nota sobre o freud! é um assunto bonito, recheado de alguns incômodos, não? de fato, como apreciadora, confesso que consumo e vibro até mais com a música do que com a literatura... lembro do bandeira, que se disse um músico frustrado (é nesse coro que eu vou). o wilde também disse que a música é uma arte mais perfeita que a literatura. são apenas linguagens diferentes, cada uma com seu material. certo que as palavras são a casa da complexidade, mas também são o veículo da comunicação mais rasa do cotidiano. um instrumento musical é algo que à primeira vista pede cautela e aprendizado para ser usado (quanto tempo até conseguir a embocadura?). já as palavras, pobrezinhas, são um material usado diariamente em tudo quanto é função (coisas de dia-de-semana, de letreiro, de placa, de notícia de jornal, de bom-dia...). aquela "impura linguagem dos homens". o material mais barato e bem distribuído entre os homens, não? (isso, claro, sem excetuar aquela nobreza apontada pelo lacan, e é um alívio saber que temos diversas maneiras de encarar a questão...)
hehe, tá bom isso. e não é só o bandeira, eu também! quando escrevo poesia queria poder fazer assim, que soasse como música, as palavras atingindo algo que prescinda de palavras, por paradoxal que pareça. a música talvez emocione mais diretamente que a poesia, embora a poesia cause algo em nós que só ela pode dar. e acho que isso acontece exatamente em função da peculiaridade das palavras. cotidianas ou não, elas que também possuem uma imagem sonora, carregam outra coisa junto, para além do que poderiam causar como simples sons. os sons da música, por sua vez, também são signos, mas muito mais soltos, eu diria. talvez por isso, um dia alguém resolveu unir as duas coisas numa canção ancestral.
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