26 maio 2009

ITALO CALVINO: DOIS TÓPICOS

Citando Sagredo: “A que superior altura estava a mente daquele que se propôs inventar um modo de comunicar seus mais recônditos pensamentos a não importa que outra pessoa, por mais extenso que fosse o intervalo de tempo e espaço existente entre ambos? falar com alguém que estivesse nas Índias, ou com aqueles que ainda não nasceram ou que irão nascer só daqui a mil ou dez mil anos? e com que facilidade! com as combinações variáveis de vinte pequenos caracteres numa folha de papel.”

Quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis.Mas a resposta que mais me agradaria dar é outra: quem nos dera fosse possível uma obra concebida fora do self, uma obra que nos permitisse sair da perspectiva limitada do eu individual, não só para entrar em outros eus semelhantes aos nossos, mas para fazer falar o que não tem palavra, o pássaro que pousa no beiral, a árvores na primavera e a árvore no outono, a pedra, o cimento, o plástico.

Italo Calvino, trechos de Seis propostas para o novo milênio