POETA CONVIDADA: VIVIANE JUGUERO
Nos termos que escolhe, podemos ler outros, embutidos. Se isso é possível em várias línguas, na poesia japonesa chama-se kakekotoba, a passagem de uma palavra por dentro da outra, nela deixando seu perfume. Qualquer coisa como escrever nuvens e ler, também, nu vens. A perspicácia do leitor saberá encontrá-las.
Particularmente, gosto dos versos Sobre a língua/ Repousa a dádiva. Alguém se chateia com minúcias? Olhemos bem para essas palavras, língua e dádiva. Do ponto de vista das vogais são quase invertidas, uma soa dentro da outra. O som sibilante de Sobre se suaviza em Repousa, apoiado sobre um “o” tônico e oco presente em cada uma.
(E o que dizer de Ânsia do êxtase? E de Aveludam as mucosas?)
Antes de entregar o leitor ao poema, voltemos ao início desse texto, mas então, o que Viviane faz? Linguagem, formas que raspam nossos pêlos e os autorizam a sentir.
DEVOÇÃO
Enceta o ato
Os joelhos – indolentes
Ignoram a superfície frígida
Entre júbilo e ardor
Curva-se
Agarra exultante
Como se expirasse
Como se não mais pudesse
Como chance ímpar sem par
Contato rústico místico
Rijo, o pau imponente
A tenra carne macula
Pressão progressiva
Ânsia do êxtase
Da erupção
Dos mistérios contidos
No cilindro sagrado
Veias pulsantes
Deslizam e paralisam
Ante o obstáculo transversal
Sôfrega, numa carícia
Roça os lábios bem na ponta
Mais abaixo
Mais abaixo
Estremece
Sobre a língua
Repousa a dádiva
Dissolvendo paulatinamente
Sem pressa
Néctar branco e saliva simbiônticos
Aveludam as mucosas
Penetrando a intimidade da garganta
Comovida com a eucaristia
Madre Laurinda
Aparta o crucifixo
Findando seu rito diário de fé
Como se expirasse
Como se não mais pudesse
Como chance ímpar sem par
1 Comments:
viviane é foda !
Postar um comentário
<< Home